terça-feira, 12 de novembro de 2013

Um exercício muito humano: o perdão

      É muito agradável recordar coisas boas. Faz bem. E todas as pessoas têm muito de que se lembrar, o que leva a fazer um belo exercício de história.  A história é um exercício de saúde mental, porque tudo o que se relembra, remeje e ativa o profundo de nossa mente, como se espanássemos as cinzas do passado, conduzindo-nos por caminhos onde nunca estivemos sozinhos.
     Este caminho é povoado de outras pessoas que conosco conviveram. A história se torna, por isso, também um resgate carinhoso de generosidade para com nossos semelhantes. Sendo o esquecimento voluntário uma ingratidão, uma cirurgia de amputação psicológica de parte de nosso mundo interior.
     Mesmo que nem tudo seja de acordo com nosso gosto, a memória, como serva fiel, faz o trabalho salutar colocando diante de nossa inteligência os fatos de nossa vida, sejam eles agradáveis ou não.
     O papel da história é exatamente uma atividade de saúde mental. Quando jogamos coisas para “ a mina escura e funda” de nossa vida, temos que gastar muita energia para as abafar e manter, como quem procura segurar um balão de ar debaixo d’água. Este esforço nos desgasta e rouba de nós a oportunidade de vivermos com satisfação.
     Este é o mecanismo do perdão. Por sinal, a palavra perdão vem do latim perdonare o que traduzindo significa doar ou doar-se além. E quando nós queremos nos integrar conosco ou com os demais, precisamos iluminar no âmbito de nossa consciência, as memórias, mesmo as desagradáveis.
       Podemos afirmar que é uma prática religiosa ensinada no perdão, como forma natural e humana de reparação e de reconciliação. Na prática do perdão há, primeiro, a decisão de encarar de frente o que deve ser reparado. E o exercício do perdão, começa com a lição primária de se perdoar a si próprio. Esta capacidade é exclusivamente individual. É somente nossa, uma vez que nós é que temos as medidas, com as quais podemos nos medir. E aí, descobrimos nossa semelhança com o próximo. E partimos para a segunda medida ou dimensão do perdão ao próximo.
   Quando o Senhor Jesus respondeu ao que lhe perguntava sobre o maior mandamento, afirmou com precisão: 
                                Ama o teu próximo na medida em que tu te amas. 
E quem ama tem que necessariamente passar pelo treino do perdão. Seja o perdão de si, quando reconhecemos como carência, com isto abrindo nossa disposição interior ao reconhecimento de que precisamos do próximo.
        E porque precisamos, nós nos decidimos a amá-lo. Tanto que o amor ao próximo não é uma questão de gosto, mas de necessidade natural humana. Amar só por gostar, ainda não é amar. Amar por gostar é amar a si mesmo. Somos incentivados a amar mesmo sem gostar. E o de que não gostamos, está todo dia diante de nós, na convivência humana. Ou não gostamos em nós ou não gostamos no próximo.
    Mostra-se, assim, com esta evidência diária uma situação de necessidade vital. Necessidade de tolerância e de suportação. Estas duas palavras vêm de verbos da língua latina,” tóllere”, que quer dizer tirar e “sub portare”, isto é, carregar. Na tolerância eu não descarrego no próximo toda responsabilidade mas retiro dele parte deste peso, que assumo como sendo meu, e na suportação, eu dou um espaço a mais, um tempo a mais e me coloco debaixo do peso ajudando a carregar. Se eu me colocar não debaixo do peso, mas sobre ele, estarei oprimindo e não ajudando a carregar. Se eu simplesmente apreciar meu próximo carregando o peso, não o estarei livrando dele.
          Nosso mestre Jesus Cristo, carregou o nosso peso, metendo-se debaixo da cruz de cada um de nós e com isto tirou de nós o peso que devemos levar. Esta atitude de tirar o peso e alem disto ajudar a carregar personifica o perdão. Tanto que não é bastante pedir perdão ou oferecer o perdão, tomando uma comoda distância entre mim e o próximo. Com isto eu estaria deixando para o próximo o duplo trabalho de tirar sozinho o peso e de carregar sem minha ajuda.
           Somos todos necessitados de perdão e como tais, temos que fazer o exercício ou o treino de aprender a perdoar. E é bom que este treino seja frequente, porque senão o peso se acumula como uma ferrugem, gerando uma enfermidade humana. O que nos conforta é que fomos criados com capacidade de perdoar. Assim como o Criador nos perdoa, nós também perdoamos. O que Ele faz, quer também que nós façamos; o que Ele é, quer também que nós sejamos. Nisto está o pedido de Jesus:
     Sede perfeitos como o Pai é perfeito.
Quer dizer completar em nós as dimensões do amor no perdão, tolerância e suportação.
         Ao lembrar o passado de nossa vida e do próximo, ilumina-se em nós muita coisa que temos que restaurar pelo perdão. Podemos até aliviar o peso daqueles que nos precederam. Eles estão aguardando que completemos com nosso trabalho de restauração humana, o que faltou no trabalho deles, pois o plano da história é melhorar sempre.
          E nós só melhoramos num esforço coletivo de restauração, de reconciliação, enfim, de perdão. A justiça verdadeira, a divina, não é a desforra, a vingança, a intolerância, mas o que conhecemos como misericórdia, que é quebrar a dureza da nossa verdade pela ternura de considerar a verdade o próximo. É a força dos filhos de Deus que nascem não da carne e da matéria somente mas do dom gratuito, a graça, do Pai. 

Pe. José Edgard de Oliveira